terça-feira, 10 de março de 2015

a porta


Aquela porta abriu um mundo
porta que era muito mais do que uma porta
muito além de bege, laminada tábua de madeira...

A porta
não separava minha privacidade da tua
ela nos privava do mundo,
da cidade
da verdade.

A porta ali estava
inerte
calada
dividindo em dois
o silêncio estrondoso que vinha do outro lado
separando tuas mágoas mais profundas
de teu sofrimento incansavelmente negado.

Atrás da porta
uma estrela morreu
e a porta me deixou sem endereço
mas me ensinou:
moro no coração do mundo.

Atrás da porta dançavam
um segundo e um século inteiros
adentrando feito vento
teu triste perdido olhar
tua incredulidade
(medo de ser amado?)

A porta nos escancarou todos os nossos medos
nossos segredos mais mesquinhos
e todo desamor que persiste na dor que resiste.

A porta desde sempre soubera
quem éramos
quem seríamos
e me abriu por inteira
quando a abri.

A porta me virou pelo avesso
no avesso do avesso de minha pele
carne exposta
resposta para perguntas que nunca fizera.

E a força
- força que não é necessária para uma porta abrir,
minha não era.
A porta simplesmente abriu-se
tal flor que desabrocha derramando seu perfume sem pedir licença
inundando com seu aroma a tarde inteira
a vida inteira contida naquele abraço
(sim, o brilho do sol inundando teu quarto confundia-se com o perfume e o toque em meus cabelos, e aninhar-me fez-te sentir em casa e completamente grato).

A porta
simplesmente confirmou
que nenhum benefício se encontra em fugir da vida
que nenhuma garantia existe
onde feridas não sangram
e cama nenhuma
por mais cara, macia ou merecida
conforta a alma.

A porta
era o fiel do mundo.

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