A certa altura, perdi o fio deste lugar inspirado que me
guiava. Quando foi exatamente, não sei. Perdeu-se a vontade de poesia, de
lê-la, de pensá-la, de senti-la, dispersa que fui pelos dias de céu azul. Já
dizia Bachelard que são os dias de chuva os dias de ler poesia. Dias depois a
chuva e frio voltaram, mas não bastaram para recuperar O estado poético em que
me encontrava, aquele em que as palavras fluíam, desciam em cascata como a
chuva pelas frestas do telhado. Choveu muito e sem parar naqueles dias. E a
necessidade de terminar a leitura – não silenciosa – tornou-se algo com o peso
de qualquer trabalho braçal, mas com o incômodo da exigência mental. Da segunda
categoria das aflições no processo criativo, apresenta-se a aflição de tornar a
poesia, a escrita, a produção, algo pronto, com alcance definido. Passara-se a
angústia daqueles dias de existência. A monotonia das refeições era somente
monotonia quando deixava de ser o que se contrapunha à angústia. Quando tudo no
mundo achava se lugar “era desnecessário crescer, pensar, escrever poemas, pois
a vida completa e bela e terna ali já estava”. Esse tempo, porém, que me
invade, seria o que invade o poeta?
Sendo ou não o mesmo tempo, “Versos à boca da noite” marca
em vários simbolismos e fatos a percepção de certa quantidade de tempo vivido e
de percepções e aprendizagens, algumas adquiridas, outras perdidas. A compra da
vida em sal, rugas e cabelo, marca definitivamente que o poeta algo dá para
viver. Nesse sentido, o poeta finalmente aproxima-se dos outros homens, da
humanidade. Vertemos todos lágrimas, ganhamos todos rugas e perdemos cabelos,
tanto mais quanto mais vivemos. Desta maturidade anunciada do poeta, não
somente a poesia, mas o viver de todos nós, compõe-se de dádivas (achados,
encontros) e doações (trabalho, suor, lágrimas). O poeta indica, certo
equilíbrio na vida. E, na compreensão de tal equilíbrio, um derradeiro, final
apaziguamento.