quarta-feira, 25 de outubro de 2017

magnolia grandiflora

há um rastro
de teu desejo
em meu cheiro
um traço
do teu toque em meus cabelos
uma marca
indelével no travesseiro
há,
sobretudo,
um encontro que me acalma
- me lava a alma –
feito o aroma
magnólia grandiflora
do ruídos das cigarras
nestas quentes
úmidas
noites tardias de primavera


sexta-feira, 8 de setembro de 2017

2 3 4 9


Nothing had actually happened 
yet everything 
absolutely everything
had for ever changed

Sometimes it takes you four different continents 
or maybe just one last ferry trip of an hour and a half
sometimes reading hundreds of books
and analysing thousands of images
finishing a PhD thesis

knowing the Other
in depths of various smells and skins
in bright ever changing lights
verschiedene horizon lines
sunset and sundown times...

Yet all of a sudden

all you thought you had already grasped
will gently melt
smoothly accommodating
an unsuspected part of your own self
in that discreetly shining star
in your eyes...

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Carlos Drummond de Andrade - II

A certa altura, perdi o fio deste lugar inspirado que me guiava. Quando foi exatamente, não sei. Perdeu-se a vontade de poesia, de lê-la, de pensá-la, de senti-la, dispersa que fui pelos dias de céu azul. Já dizia Bachelard que são os dias de chuva os dias de ler poesia. Dias depois a chuva e frio voltaram, mas não bastaram para recuperar O estado poético em que me encontrava, aquele em que as palavras fluíam, desciam em cascata como a chuva pelas frestas do telhado. Choveu muito e sem parar naqueles dias. E a necessidade de terminar a leitura – não silenciosa – tornou-se algo com o peso de qualquer trabalho braçal, mas com o incômodo da exigência mental. Da segunda categoria das aflições no processo criativo, apresenta-se a aflição de tornar a poesia, a escrita, a produção, algo pronto, com alcance definido. Passara-se a angústia daqueles dias de existência. A monotonia das refeições era somente monotonia quando deixava de ser o que se contrapunha à angústia. Quando tudo no mundo achava se lugar “era desnecessário crescer, pensar, escrever poemas, pois a vida completa e bela e terna ali já estava”. Esse tempo, porém, que me invade, seria o que invade o poeta? 
Sendo ou não o mesmo tempo, “Versos à boca da noite” marca em vários simbolismos e fatos a percepção de certa quantidade de tempo vivido e de percepções e aprendizagens, algumas adquiridas, outras perdidas. A compra da vida em sal, rugas e cabelo, marca definitivamente que o poeta algo dá para viver. Nesse sentido, o poeta finalmente aproxima-se dos outros homens, da humanidade. Vertemos todos lágrimas, ganhamos todos rugas e perdemos cabelos, tanto mais quanto mais vivemos. Desta maturidade anunciada do poeta, não somente a poesia, mas o viver de todos nós, compõe-se de dádivas (achados, encontros) e doações (trabalho, suor, lágrimas). O poeta indica, certo equilíbrio na vida. E, na compreensão de tal equilíbrio, um derradeiro, final apaziguamento.

sábado, 10 de junho de 2017

Carlos Drummond de Andrade

Sim, agora fica claro que o sujeito de classe de roupas brancas é poeta.
Poeta e tempo no impasse entre o hoje e a eternidade que nunca é? Posto que do tempo só percebemos o agora, é mais esperança do que infinito o que nos faz acreditar que tempo e vida prevaleçam a nossa curta existência. Recheado da possibilidade de permanência e recorrência da vida não retenho nem a minha própria e do tempo só sinto sempre – de fato – hoje.
Se insinua que as coisas mudam de estatuto na mão do poeta – até as palavras adquirem corpo e pele – as coisas tornam-se vida nas mãos do poeta. É a relação dele com elas, não apenas o simples existir delas que as dignifica. Há algo de pretensioso neste poeta? Alguma arrogância? Ou apenas tentativa de sentir-se menos diminuído diminuindo as coisas? Pergunto ao poeta. Mas ele cala e se esconde sob os sulcos crispados da face.
Há uma tensão interessante; há poemas em que o sujeito coloca o cotidiano como uma espécie de alento e de peso a contrabalançar a angústia emocional e existencial dele próprio. Neste poema, mais do que em muitos outros, o que o poeta faz é reivindicar um estatuto da poesia através da apresentação do sujeito poético. Não é o cotidiano que lhe salva, é a própria poesia enquanto olhar que lhe permite lançar sobre este mundo que o cerca. Há uma particular e sensível linha de equilíbrio sobre a qual anda o poeta a contrapor e sustentar em oposição suas angústias e a compra do jornal e do leite. É de seu olhar angustiado sobre o mundo que nasce a poesia, não das palavras sem pele, das palavras formais e em estado de dicionário, estas, são as palavras das palavras-cruzadas. Sim, meu avô todas as manhãs as preenchia na folha de jornal dobrado enquanto comia pão de centeio com salame e queijo e sorvia lentamente sob o bigode café com leite em grossas e antigas xícaras de porcelana arrendondada. Sentava à cabeceira da mesa. Todos os dias. Não havia poesia em suas palavras. Creio que as palavras lhe faltavam. Mas me ensinou a apreciar o cheiro da areia, a imensidão do mar. Me fez amar sem exigências até que atingi a puberdade e amar, lamentavelmente, imperiosamente, tornou-se questão de gênero. Não deixei de ama-lo jamais, sinto sua falta até hoje, em cada domingo, em cada dia de praia, cada jogo de general, cada caipirinha, cada pastel de marisco. Mas, criou-se a distância dos amores recalcados entre nós. Um continente inteiro nos separou no momento da despedida. Baby, ele me chamava. Do mundo de meu avô, afinal creio que pouco sei, posto que tanto se escondia nas palavras que soletrava, nas marcas densas, retas e belas que deixava nas folhas do jornal Correio do Povo.
Como podem afinal meu avô e o poeta tanto terem em comum? E haverá também certa dose de traição nesta exposição não publicada de minha dificuldade em escrever o que deve ser escrito que se equilibra, e cai, com o estrondo do possível no chão de minha vida? A poesia é ocupação: ação de fazer, constituir. Não é inspiração. É labuta diária. Há nela a necessidade do esforço repetido, cotidiano da concretude das ações manuais “e eu sempre acreditei que havia música em seus dedos e poemas de amor em minhas roupas escritas” já havia dito Cecília. Há valor de trabalho, manual mesmo, na poesia. É neste curioso limite que ela se move, entre o concreto e o invisível, entre o real e o imaginário, entre o umbigo e a fantasia, morte e vida.
Sim, sei, caro poeta, que é a tentativa de encontrar-te no fundo de ti mesmo que te afasta de mim, e que esta distância só se cria e se alimenta do amor – ou seu desamor – refeita em ódio. Teu ódio não é teu. É o fermento que cresce sobre tua fadiga de amar. Tua solidão infinda. Que sobrevive e se consola em poemas e xícaras de chá, mas não se supera jamais. Vives, afinal, de movimento. Vives da tensão infinita entre desejar e ter, reter e perder, querer e perder: amor, medo, vida e morte. 



terça-feira, 23 de maio de 2017

Hemingway

Digressão temporal e ponto. Tinham a incrível capacidade de colocar a nu o coração um do outro.  Amavam e sofriam, beijavam mordendo e o inverso na mesma medida. Para eles, comprar frutas nunca era apenas comprar frutas. Nunca era comprar, era frutas. Entre eles havia fios de alta tensão: de medos, de palavras, de escutas, de desejos. Ele lhe tornava imperioso, porque ela assim o amava, ouvi-lo ultrapassando as orelhas de seus pensamentos e sentimentos mais rasos. E esta escuta lhe pedia escrita. Às vezes, cartas, outras vezes, isto. Porém havia certo medo – certa intuição de uma ideia de traição na exposição nua nas folhas em branco. E pensava se deveria disfarçar, esconder, fugir na escrita de si, escrevendo sobre o outro. Mas havia generosidade, pensava. Era generoso o poeta que, ao acessar seus próprios aspectos ou pulsões de origem subjetiva, ao torná-los impulso de criação, ao referir-se a um si mesmo, a um eu ainda que fictício, não era, por escolha, apenas um simples os outros. Escolher falar de si, falar como si, opunha-se à escolha de um eles que destensionaria a relação entre o sujeito e o mundo. Diluíam-se as angústias ao terceirizar-se o olhar, ao apresentar o sentir do humano como algo que é visto de fora por alguma consciência ou deidade sobre-humana. Não, não; era humano o sofrimento. Humano e sofrimento, ponto. A angústia, afinal, só é apresentada em toda sua funesta e densa dimensão quando se trata de nossa própria angústia. Nada se parece mais com a leitura de seu próprio diário – tenha ou não já sido escrito – que a narrativa da angústia em primeira pessoa. Não, nem pense que depois disso vou profissionalmente vir aqui limpar, aparar e polir este texto. Não tenho como, não agora. Talvez daqui a uns 20 anos e aí, com certeza, terei perdido o medo que agora tenho de suas arrogâncias e imperfeições e verei apenas seus brilhos, suas intuições e sua generosidade inata comigo e contigo. Era essa a maneira como viviam o amor, pensava ela sobre si própria, dividindo o mais íntimo segredo que possuíam, a angústia? Assim, houvera uma linda e grandiosa melancolia logo no início. Porque precisava ela ser o mais produtivo? E porque as palavras pareciam mais certeiras e definitivas quando acordavam no meio da madrugada e acomodavam-se sofregamente, sonolentamente na folha branca de papel? O ruído do lápis sobre o papel era visto em sobreposição à lembrança da imagem de dois ou três cadernos de capa azulada e dois lápis e um apontador que, me disseram antes de dormir, Hemingway utilizava para escrever. Foi bonito, mas um pouco desconstrutivo saber, ou mesmo imaginar. Para mim Hemingway era a cara da máquina de escrever. Como é fácil enganar-se com nossas imagens e com as dos outros. No final das contas, o que fiz foi digitar...


sexta-feira, 21 de abril de 2017

Understanding


The years of my youth, my sensual life –
How clearly I see their meaning now.

What needless repentances, how futile…

But I did not understand the meaning then.

In the dissolute life of my youth
The desires of my poetry were being formed,
The scope of my art was being plotted.

This is why my repentances were never stable.
And my resolutions to control myself, to change
Lasted for two weeks at the most. 

(Constantine Cavafy)


Alexandria Photograph via The New York Public Library Digital Gallery

sábado, 1 de abril de 2017






















Oh yes that little bee
would dive into my very sweet caipirinha
home made sugar cane liquor and all
– as much as others in little expresso cups –
with the same insistence
the exact same resilience and fate
always again 
and again
regardless of its contents
or of the failure carved in each attempt

In every single one of these
whilst I watched the coming back and forth waves
in anything slightly smelling like love
effortlessly shining like gold
even in every gray variation
which could not really be perceived
as either sea or sky
I would dive as well

I would have to however say
that at one sip
amidst changing growing tall waves
and children running
and grownups being brave and charming amidst the snow
– I mean the sand –
that I found it dead
very dead

sink
in my only sweet treat
my very own forgotten dreams

segunda-feira, 13 de março de 2017

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

As histórias são o pão de cada dia do espírito

CAVA (Wilson Cavalcanti), xilogravura.


Mensagem da Paraninfa aos alunos formandos em Artes Visuais em 2011/2, em 20 de Janeiro de 2012:

Boa noite senhoras e senhores, estimados afilhados e demais formandos,

Wim Wenders, que é um grande cineasta e artista plástico alemão e um maravilhoso contador de histórias, em um de seus depoimentos no filme Janela da Alma, fala sobre a importância das histórias para o ser humano. Nesta fala ele lembra que contar e ouvir histórias é uma das mais básicas necessidades do ser humano, não importa a idade. As histórias nos confortam, diz ele. As histórias elaboram significados. Nos aquecem. Para nós, afinal, não basta viver. Precisamos significar nosso viver. Não importa, portanto, se a história é a História oficial ou se é a estória. Se está inscrita em livros ou na paisagem ao nosso redor. Se está descrita em palavras ou inscrita em imagens. Em qualquer forma, tempo e lugar, continuam sendo necessárias.

As histórias são o pão de cada dia do espírito.

No universo da criação, criar histórias é achar desenhos para os desejos, é inventar palavras para os sonhos.

Não, meus afilhados, não lhes darei hoje conselhos. Apenas lhes presentearei um desejo.
Lhes desejo que pela vida afora, na sala de aula ou fora dela, saibam sempre valorizar e incentivar as histórias. Que vocês possam, no seu exercício de professores, contribuir para que cada um saiba contar suas próprias histórias. Que possam contribuir para que cada um seja o escritor e ilustrador do livro de sua própria vida.
Além disso, só e que posso desejar é que as histórias gravadas na memória de cada um possam contar:

Como receber a vida de braços abertos
Confiar que o destino também saberá escolher por nós
que devemos olhar para os lados de vez em quando
Como olhar as estrelas sem perder o equilíbrio
e andar na corda bamba entre desejos e medos
A arte de encher os pulmões de coragem e as asas de persistência
A não esmorecer nem perder as forças por mais longa que seja a estrada
Da necessidade de recolher-se de vez em quando em si mesmo
assim como inclinar-se e pedir ajuda sempre que necessário
Que mesmo os presentes da vida precisam ser editados
Voltar-se ao próprio coração
Ah e festejar a liberdade
Festejar a liberdade!

Boa noite, meus queridos, feliz jornada!

PS: Esta mensagem foi inspirada em uma série de 11 xilogravuras de Wilson Cavalcante, mais conhecido como Cava, gravador gaúcho, professor no Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre. Cada um dos formandos ganhou uma destas xilogravuras de presente.





quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Just be yourself anyway that you want to, babe... Just be yourself anyway that you can...













Senhoras e senhores componentes da mesa, familiares e amigos destes formandos, queridas afilhadas e afilhado, boa noite!

Sim, minha mensagem para vocês baseia-se na música do grupo Morcheeba cujo refrão ouvimos [Just be yourself anyway that you want to; just be yourself anyway that you can...]. Apenas seja você mesmo, diz a letra. Apenas seja você, como você quiser, como você puder. Sim, eu repito, sejam apenas  vocês mesmas!
Mensagem bacana, não? Como se eu estivesse dizendo a vocês: “Não se preocupem, tudo vai funcionar, tudo vai dar certo, desde que vocês sejam vocês mesmas”. Apenas, sejam vocês mesmos!
Mas esta mensagem tão “bacana”, que de tão bacana parece argumento de milhares de propagandas, fala de algo que é bem mais difícil do que parece. Afinal, quem somos nós?
Esta pergunta me faz pensar em filmes. Sim, filmes. Filmes como O dia depois de amanhã, Amargedon, Guerra dos Mundos, Impacto Profundo, 2012. Tenho certeza que vocês viram algum desses filmes. Todos eles são "filmes catástrofe". Filmes cujo enredo envolve a destruição do mundo ou a ameaça de destruição da raça humana, coisas que sempre agradam ao público. Porque será que ameaças de destruição agradam tanto? Ou o que agrada ao público são os finais? Até porque nos finais todo mundo sempre se salva. Ou, pelo menos se salvam o herói e seus amigos e parentes próximos, não é isso? Ah, sim, é por isso que falei destes filmes... o herói! O que seria da raça humana sem o herói?
Mas, quem é o herói? Nestes filmes, assim como em vários da mesma linha, o herói é aquele sujeito corajoso e ousado que se lança na empreitada de salvar-se e salvar aos outros e, geralmente, acaba conseguindo salvar as pessoas que ama. Não sei se gosto muito deste argumento, até porque, que mérito há em salvarmos quem amamos? Isso é o mínimo que se espera de um herói, ou não? Que ousadia há afinal em ser herói dentro do limite tão pequeno de seus próprios afetos? Ousadia não seria batalhar para salvar o outro? O outro que também é você porque também é humano? Hum... desconfio que em alguns filmes catástrofe alguns humanos são mais humanos do que outros... a esses filmes falta pensar com um pouco mais de generosidade o que significa, afinal ser humano.   
Há alguns dias atrás, vi um outro filme catástrofe, feito pelo Lars von Trier, que chama-se Melancolia. Melancolia é um filme catástrofe porque trata de um cometa, chamado Melancolia, que vai atingir a Terra e destruí-la. Melancolia não tem herói, mesmo que só se descubra isto mais para o final do filme. Gostei muito quando vi este filme e imediatamente pensei: “nossa, que legal, este é o primeiro filme catástrofe que vejo que é verdadeiramente humano”.
Mas o que é isso que chamo de “verdadeiramente humano”? Verdadeiramente humano é o medo. Verdadeiramente humana é a coragem. Verdadeiramente humano é sabermos que o mundo, na realidade, não se divide facilmente entre “os maus” e “os bons”. Verdadeiramente humano é nos sentirmos, tantas vezes, divididos entre nossos desejos e nossa falta de amor próprio. Verdadeiramente humana é a dificuldade de conhecer-se de fato.
Melancolia me lembrou de outro filme sem heróis, Crash – no limite, que, a princípio parece ser um filme cheio de heróis. Mas, que, em seu desenrolar, nos revela que nunca sabemos quem realmente somos, até que, somos obrigados a reagir a uma “catástrofe”.
Melancolia, afinal, talvez não seja um filme catástrofe, mas uma linda história – cheia de menções às artes plásticas – sobre a humanidade. Sobre a relação da humanidade com a vida. Melancolia e Crash são filmes sobre como seres humanos enfrentam de fato, na hora “h” as catástrofes. Ser herói, de fato, e isso estes dois filmes nos mostram, é ser verdadeiramente, humano. Verdadeiramente humana é nossa capacidade de compreensão deste fenômeno chamado vida e de sua necessária complementariedade, a morte.
Recentemente, testemunhei um momento de grande humanidade, num outro auditório da Universidade. 27 de junho de 2011. Auditório do prédio 6. E por favor me desculpem, queridas afilhadas por não citar pessoalmente cada uma de vocês... Neste dia, 27 de junho, no palco do auditório, estava a Michele apresentando o seu Trabalho de Curso com a ajuda da Daniela. A Michele, ofegante, mas serena, lidando com sua dificuldade de fala e locomoção. Dificuldade com a qual lidou durante toda a vida, durante todo o curso, mas que não a impediu de realizar seu sonho. A Daniela, ajoelhada em frente à Michele, segurando para ela o microfone. A Daniela, que é uma menina linda, inteligente, com nenhuma dificuldade para ir e vir, fazer e acontecer. E a vida, tão grande colocou as duas ali no palco para nos mostrar que o único caminho para a aprendizagem é a coragem, que o único caminho para a ousadia, é a humildade. Exemplo de humanidade dessas duas foi perceber que não há limites, para as realizações e para o afeto. Humanidade heróica é isso!
Sim, sejam apenas vocês mesmos. Mas, por favor, lembrem-se sempre de desconfiar de vocês próprios! E lembrem, sempre do exemplo da Daniela e da Michele: deste exemplo de dedicação! Enquanto dica de madrinha para a vida futura de vocês, profissional e pessoal, repito, desconfiem de vocês próprios. Desconfiem de suas certezas, de seus afetos, de suas mágoas. Há muito mais em nós do que conseguimos nos revelar ao olharmo-nos ao espelho.
A linha que separa a coragem da temeridade chama-se humildade.
A linha que separa a liberdade da frustração chama-se ousadia.
Dosar humildade e ousadia, coragem e liberdade o que nos faz, de fato, mais humanos!
Sejamos todos, apenas, mais humanos.

Muito obrigada.


Ouro de artista é amar bastante!
Mensagem da Paraninfa aos alunos formandos em Artes Visuais 
turma 2011/1, em 5 de agosto de 2011.


terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Ouro de artista é amar bastante

Formandos Artes Visuais 2010/1, ULBRA Canoas. 

Senhoras e Senhores componentes da mesa, familiares e amigos destes formandos, queridos afilhados, boa noite!

Num primeiro momento, gostaria de agradecer a honra de ter sido convidada para ser sua madrinha, muito obrigada!
Há alguns dias atrás, ao ter a possibilidade de visitar aquele que é considerado um dos principais museus do mundo, o Louvre, e um florido jardim, percebi que gostei muito mais do jardim: o jardim de Giverny, jardim daquela que foi a casa de Claude Monet. Porquê o jardim?
Seria pela beleza da variedade de flores e cores? Seria pela singeleza da casa de paredes coloridas feito flores? Seria o aroma de alfazema que preenchia o ar? Seria saber que ali, entre aquelas paredes e naquele jardim, um importante artista havia vivido tantos anos de sua vida? Pode ser, mas desconfio que não.
Segundo um dos guias do local comentou, Monet amava aquele jardim, adorava plantas e flores. Na casa ainda se pode ver em uma estante os milhares de livros de botânica que possuía. Assim como se pode ficar sabendo que várias de suas pinturas mais famosas foram produzidas ali e mostram esse mesmo jardim. Fico imaginando que ele vivia e pintava mergulhado no mesmo aroma de alfazema que senti lá. Admirável foi saber que este jardim, que hoje pode ser visitado apenas durante alguns meses do ano, entre abril e outubro, depende do trabalho de 12 jardineiros! Monet foi morar ali quando ainda não era famoso ou rico. Comprou os lotes de terra aos poucos; com o passar dos anos alcançou reconhecimento e fortuna, mas ainda era ele mesmo quem acordava todos os dias às cinco horas da manhã para cuidar das plantas. Imagino que em dias frios uma vozinha em sua cabeça possa ter tentado demovê-lo da empreitada. Mas, talvez, uma outra voz, mais enfática tenha vencido. Uma voz que dizia: Não pensa, executa!
Não pensa, executa! Segundo a Cláudia Regina, no último dia de aula de Estagio IV, esta foi a frase mais importante que ouviu de mim durante os cinco anos em que esteve no Curso de Artes Visuais. Entre o fascínio e a surpresa por saber disto, coloquei a frase no “facebook”. Alguns amigos responderam com seus comentários. Dentre estes, um me chamou a atenção. Ao lê-lo, percebi que não era a primeira vez que ouvia aquilo. Uma outra ex-aluna, ex-colega de vocês, agradeceu-me, mais uma vez, por seu uma professora que, segundo ela, “não se economiza”. Nesse momento percebi que, em 10 anos de ensino universitário, esta foi a frase mais importante que ouvi de um aluno. De 10 anos de carreira, o mais importante que levo é o agradecimento de alguém que reconheceu o mais importante do ofício do professor: a doação. As ações que doamos por acreditarmos no que acreditamos.
Por isso, se como madrinha de vocês devo dar-lhes um conselho para a vida futura, profissional ou não, tomo a liberdade de deixar minha experiência de vida determinar a escolha, e lhes digo: não se economizem. Porque na vida do professor não há certezas. E onde não há certezas, conselhos pouca valia têm. Não há nunca a certeza de estar “fazendo certo”, pois tantos conhecimentos são transitórios, datados, ou nada valem quando mudamos de lugar. Outras tantas verdades que nos servem hoje deixam de servir a medida em que amadurecemos e crescemos. Agradar os alunos, um sonho distante, pois não existe unanimidade no afeto. No País em que vivemos, lamentavelmente, as certezas da vida do professor são ainda mais estéreis. Sabemos que vocês não poderão contar com condições dignas de trabalho, afinal, nosso sistema de ensino é indigno. Em muitas escolas, os alunos não são mais do que um número e vocês serão pouco mais do que um outro número. Não é a satisfação pelo reconhecimento do trabalho bem feito ou do salário digno que irá incentivá-los a levantarem-se da cama todas as manhãs.
Ainda assim, meu conselho é: não se economizem! E não se economizar talvez seja tudo isso: fazer sabendo que não se recebe em troca sempre o que se merece. Não se economizar talvez seja ter coragem de expor e dividir a fragilidade e humanidade do professor. Ser professor, assim como ser pai ou mãe, nos faz amadurecer na compreensão de que todo o nosso amor pelas pessoas ou pelos valores nos quais acreditamos não são suficientes para nos tornar infalíveis. E muitos de nós, assim como eu, talvez tenhamos iniciado sua jornada desejando sê-lo. Como se a infalibilidade fosse garantia de qualquer coisa. Mas, na vida, nossa fluidez, maleabilidade e dedicação são muito mais seguras do que qualquer noção de infalibilidade.
Não se economizar, afinal, talvez seja apenas a capacidade de mantermos nossa humanidade. E, nesta condição humana, perceber que somos todos apenas meio. O jardineiro não faz as flores crescerem por desejar isto. Elas crescem por si sós. Elas crescem com uma força que, afinal, é da vida. O jardineiro apenas as auxilia: afofa a terra, fornece água durante a estiagem, proteção da tempestade, adubo ou podas no momento certo. Mas a flor, a flor cresce e desabrocha sozinha. Ainda assim, é na ausência de economia consigo próprio que o jardineiro contribui de alguma maneira em um processo que não lhe pertence; o processo da vida. O processo de crescimento e amadurecimento. E, na força da vida, somos todos, jardineiros e artistas, apenas meio.
Portanto, se há algo que eu ainda possa lhes acrescentar, ou ao menos lembrar, ou apenas sugerir a vocês, que, acredito possa contribuir para sua vida futura, digo: Não se economizem! Dediquem-se, doem-se, considerem a sala de aula, a escola, a vida, um jardim. Assim como fizeram tantos poetas, tantos artistas, tantos pais, tantos professores. Porque se é verdade, como afirmou aquele personagem de A Festa de Babete, que “tudo o que escolhemos na realidade nos foi dado”, também será verdade que “da vida somente levamos o que doamos”.

Muito obrigada. Ouro de artista é amar bastante!

Mensagem da Paraninfa à turma de formandos em Artes Visuais 2010/1, em 13 de Agosto de 2010.






terça-feira, 17 de janeiro de 2017