terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Ouro de artista é amar bastante

Formandos Artes Visuais 2010/1, ULBRA Canoas. 

Senhoras e Senhores componentes da mesa, familiares e amigos destes formandos, queridos afilhados, boa noite!

Num primeiro momento, gostaria de agradecer a honra de ter sido convidada para ser sua madrinha, muito obrigada!
Há alguns dias atrás, ao ter a possibilidade de visitar aquele que é considerado um dos principais museus do mundo, o Louvre, e um florido jardim, percebi que gostei muito mais do jardim: o jardim de Giverny, jardim daquela que foi a casa de Claude Monet. Porquê o jardim?
Seria pela beleza da variedade de flores e cores? Seria pela singeleza da casa de paredes coloridas feito flores? Seria o aroma de alfazema que preenchia o ar? Seria saber que ali, entre aquelas paredes e naquele jardim, um importante artista havia vivido tantos anos de sua vida? Pode ser, mas desconfio que não.
Segundo um dos guias do local comentou, Monet amava aquele jardim, adorava plantas e flores. Na casa ainda se pode ver em uma estante os milhares de livros de botânica que possuía. Assim como se pode ficar sabendo que várias de suas pinturas mais famosas foram produzidas ali e mostram esse mesmo jardim. Fico imaginando que ele vivia e pintava mergulhado no mesmo aroma de alfazema que senti lá. Admirável foi saber que este jardim, que hoje pode ser visitado apenas durante alguns meses do ano, entre abril e outubro, depende do trabalho de 12 jardineiros! Monet foi morar ali quando ainda não era famoso ou rico. Comprou os lotes de terra aos poucos; com o passar dos anos alcançou reconhecimento e fortuna, mas ainda era ele mesmo quem acordava todos os dias às cinco horas da manhã para cuidar das plantas. Imagino que em dias frios uma vozinha em sua cabeça possa ter tentado demovê-lo da empreitada. Mas, talvez, uma outra voz, mais enfática tenha vencido. Uma voz que dizia: Não pensa, executa!
Não pensa, executa! Segundo a Cláudia Regina, no último dia de aula de Estagio IV, esta foi a frase mais importante que ouviu de mim durante os cinco anos em que esteve no Curso de Artes Visuais. Entre o fascínio e a surpresa por saber disto, coloquei a frase no “facebook”. Alguns amigos responderam com seus comentários. Dentre estes, um me chamou a atenção. Ao lê-lo, percebi que não era a primeira vez que ouvia aquilo. Uma outra ex-aluna, ex-colega de vocês, agradeceu-me, mais uma vez, por seu uma professora que, segundo ela, “não se economiza”. Nesse momento percebi que, em 10 anos de ensino universitário, esta foi a frase mais importante que ouvi de um aluno. De 10 anos de carreira, o mais importante que levo é o agradecimento de alguém que reconheceu o mais importante do ofício do professor: a doação. As ações que doamos por acreditarmos no que acreditamos.
Por isso, se como madrinha de vocês devo dar-lhes um conselho para a vida futura, profissional ou não, tomo a liberdade de deixar minha experiência de vida determinar a escolha, e lhes digo: não se economizem. Porque na vida do professor não há certezas. E onde não há certezas, conselhos pouca valia têm. Não há nunca a certeza de estar “fazendo certo”, pois tantos conhecimentos são transitórios, datados, ou nada valem quando mudamos de lugar. Outras tantas verdades que nos servem hoje deixam de servir a medida em que amadurecemos e crescemos. Agradar os alunos, um sonho distante, pois não existe unanimidade no afeto. No País em que vivemos, lamentavelmente, as certezas da vida do professor são ainda mais estéreis. Sabemos que vocês não poderão contar com condições dignas de trabalho, afinal, nosso sistema de ensino é indigno. Em muitas escolas, os alunos não são mais do que um número e vocês serão pouco mais do que um outro número. Não é a satisfação pelo reconhecimento do trabalho bem feito ou do salário digno que irá incentivá-los a levantarem-se da cama todas as manhãs.
Ainda assim, meu conselho é: não se economizem! E não se economizar talvez seja tudo isso: fazer sabendo que não se recebe em troca sempre o que se merece. Não se economizar talvez seja ter coragem de expor e dividir a fragilidade e humanidade do professor. Ser professor, assim como ser pai ou mãe, nos faz amadurecer na compreensão de que todo o nosso amor pelas pessoas ou pelos valores nos quais acreditamos não são suficientes para nos tornar infalíveis. E muitos de nós, assim como eu, talvez tenhamos iniciado sua jornada desejando sê-lo. Como se a infalibilidade fosse garantia de qualquer coisa. Mas, na vida, nossa fluidez, maleabilidade e dedicação são muito mais seguras do que qualquer noção de infalibilidade.
Não se economizar, afinal, talvez seja apenas a capacidade de mantermos nossa humanidade. E, nesta condição humana, perceber que somos todos apenas meio. O jardineiro não faz as flores crescerem por desejar isto. Elas crescem por si sós. Elas crescem com uma força que, afinal, é da vida. O jardineiro apenas as auxilia: afofa a terra, fornece água durante a estiagem, proteção da tempestade, adubo ou podas no momento certo. Mas a flor, a flor cresce e desabrocha sozinha. Ainda assim, é na ausência de economia consigo próprio que o jardineiro contribui de alguma maneira em um processo que não lhe pertence; o processo da vida. O processo de crescimento e amadurecimento. E, na força da vida, somos todos, jardineiros e artistas, apenas meio.
Portanto, se há algo que eu ainda possa lhes acrescentar, ou ao menos lembrar, ou apenas sugerir a vocês, que, acredito possa contribuir para sua vida futura, digo: Não se economizem! Dediquem-se, doem-se, considerem a sala de aula, a escola, a vida, um jardim. Assim como fizeram tantos poetas, tantos artistas, tantos pais, tantos professores. Porque se é verdade, como afirmou aquele personagem de A Festa de Babete, que “tudo o que escolhemos na realidade nos foi dado”, também será verdade que “da vida somente levamos o que doamos”.

Muito obrigada. Ouro de artista é amar bastante!

Mensagem da Paraninfa à turma de formandos em Artes Visuais 2010/1, em 13 de Agosto de 2010.






Um comentário:

  1. Sim Ana...Eu disse mesmo e repito: O melhor de ti foi sempre "não se economizar"...Aliás lição que tenho levado na vida e tbm o único jeito de tornar real o que chamam de "viver intensamente".Na prática tem sido ser 100% verdadeira em todos os momentos (bons e ruins).Verdade, nao ta facil mas nestes tempos de mundo de aparencias;simulacros e "pessoas vácuo"...a honestidade;por mais que doa,ainda continua sendo a forma mais confortável e segura de se relacionar!Eu acho.Te amo minha Profe."Inesquecível Fashion".Saudade dos nossos papos...Volta logo.To precisando muuuito dos teus conselhos sabios�� Bjao.Gessamine Dieguez

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