sábado, 18 de dezembro de 2010




Jonathas de Andrade
Educação para adultos – Bienal de São Paulo, 2010

O trabalho baseia-se numa série de cartazes realizados segundo o método de alfabetização de Paulo Freire, para o qual desenvolveram-se cartazes para a alfabetização de adultos. O artista recria este material – utilizado por sua mãe que era professora entre as décadas de 70 e 90, com a ajuda de um grupo de alunas, refazendo os cartazes a partir da escolha de novas palavras e da escolha e produção de novas imagens. Os cartazes assemelham-se portanto aos livros utilizados para alfabetização, também em idiomas estrangeiros, nos quais palavras são apresentadas abaixo de imagens.
Os cartazes realizados para este trabalho apresentam também uma imagem fotográfica associada a uma palavra. Nas antigas cartilhas, a imagem era mera ilustração da palavra. A imagem era mimese da coisa e a palavra atributo da coisa. Tal era o entendimento desta relação na tradição clássica.
Esse “sistema” de relação entre palavra e imagem é referenciado, mas também subvertido pelo trabalho de Jonathas. Se algumas imagens podem ser consideradas ilustração da palavra, como é o caso da palavra comida (que exibe um prato cheio de arroz e feijão), há alguns casos em que fica claro que a imagem associada à palavra foi escolhida na medida em que a própria imagem foi localizada a partir de uma relação muito específica.  Algumas imagens foram selecionadas a partir da associação de determinada palavra a uma realidade ou situação específica que pode ser associada mas não traduzida literalmente pela imagem.
Este jogo “subversivo” logo, poético, fica evidente sobretudo no uso da mesma imagem (4 homens tentando carregar um fardo) associada a duas diferentes palavras: UNIÃO e SAQUE.
Para além das questões políticas implícitas na realidade a que o trabalho e suas associações se referem, os cartazes apresentados por Jonathan remetem ao estatuto poético das palavras: palavras possuem sentidos particulares que subvertem significados instituídos. Outro cartaz que deixa evidente a associação da palavra e da imagem a contextos ou realidades específicas é o cartaz da palavra CONCURSO, associada à imagem de uma multidão tentando entrar por uma grade recém aberta. Ou mesmo a palavra BANHO, associada à imagem de um chafariz de praça pública. E a palavra CALÇADA, associada à imagem de trabalhadores uniformizados sentados na calçada, com as costas apoiadas num muro enquanto almoçam.
A calçada e o chafariz explicitam que não é o objeto em si, mas sim a função que o mesmo possui num determinado contexto social a responsável pela escolha associativa.
A função, num contexto específico, pode determinar a escolha num jogo que é, antes de qualquer outra coisa, puro jogo poético.

Para saber mais sobre o trabalho de Jonathan, acesse: 

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

How could it ever be
that someone would explain energy with words?
How would it ever be possible
that someone should understand one's desires?
One's impulses…

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Vontade de quilha, 

universo de vento

  quem mandou gostar de tempestade...

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010


A pergunta certa é:
"Devo ou não devo?"
ou
"Quero ou não quero?"
 

Se escolho a primeira, não sei qual é a resposta.

...Quanto à segunda, não tenho dúvidas.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Imagens Marginais






















"Porém o dia em que a palavra do Filósofo justificasse os jogos marginais da imaginação desregrada, oh, então realmente o que estivesse à margem pularia para o centro, e do centro se perderia qualquer vestígio." 
Umberto Eco - O Nome da Rosa.

Artigo recém publicado na revista As Partes, para saber mais, acesse:
http://issuu.com/palavraimagem/docs/imagens_marginais__ana_lucia_beck_2010_/1

terça-feira, 23 de novembro de 2010

domingo, 21 de novembro de 2010

for that sweet delicate feeling
came the gaze of existence
a Kiss from eternity

and a flavor
with no past
no regret
no suffering at all

had it been raining
or not
wouldn’t have made
the slightest difference
for that loving care

for now there was
impossible
to feel or think
in matters of time…

quinta-feira, 18 de novembro de 2010















Nas dobras da pele
no intervalo dos sonhos
na ausência da lembrança
escondiam-se segredos...

No íntimo,
havia apenas,
a dobra
a ruga
o poro.

Do amor
não havia resquícios.
diluía-se
na água
no ar
nos dias.

Embaixo da pele
nada se escondia.
Transparente
feito véu
a epiderme
respirava
todos os dias...

Para a pele não havia espera

futura ou passada.
indelével,
a pele diluía
cada pensamento
que não merecesse carícia.



segunda-feira, 1 de novembro de 2010













aos poucos desenvolveu
uma tara por placas de trânsito
um desejo por não-lugares
indicando contradições
sutis 
que tornavam-se fina ironia
não queria sabores óbvios
nem conclusões gratuitas.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

os melhores pensamentos
nasciam na compreensão
do próprio desconforto
do próprio sofrimento
era necessário
deixar-se doer de prazer...

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

sábado, 2 de outubro de 2010

sábado, 25 de setembro de 2010






















durante 13 anos
das janelas de meu apartamento
via logo ali a poucos metros
dois ou três
as janelas da sala e do dormitório do prédio ao lado
quase geminado
de planta coincidente com a minha
cuja janela da sala
era na realidade uma porta de vidro
que se abria para uma pequena sacada
quase suspensa no ar
as janelas que via da minha janela
estavam sempre
sempre fechadas
até o dia em que
-  num domingo de manhã - 
vi a vizinha
pelo menos imaginei que fosse a habitante daquele apartamento
limpando quase virginianamente os vidros
foi impossível não sorrir
e pensar
com certo pesar
na importância dada à limpeza de um vidro
através do qual
nunca olhava...

sábado, 11 de setembro de 2010

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Desenhos com alma...

há desenhos que são corretos;
eu prefiro os que têm alma.

sábado, 4 de setembro de 2010












esquecer é não
arrepender-se...
é deixar
cair feito gota de chuva
feito rolar na cama
voar no varal
da mente

Dança desenho - pedagogia em movimento


A prática no processo de ensino-aprendizagem em desenho, especificamente na disciplina de Desenho da Figura Humana, têm me proporcionado a reflexão a respeito de uma metodologia de ensino do desenho aliada à dança. A dança, o desenho, o movimento...
Para saber mais, acesse minha pagina:
http://issuu.com/palavraimagem/docs/danca_desenho__revista_mosaico_

Ou o link da revista O Mosaico:
http://www.fap.pr.gov.br/arquivos/File/mosaico_3/DANCA_DESENHO.pdf 












  


"No lado avesso, o trabalho se revela. Aqui, as palavras são tímidas, escondidas. Mesmo tímidas, configuram um conjunto verbal significativo que desdobra os sentidos primeiros das palavras. [...] “Eis meu coração”, dar. “Ele te pertence”, pertence a quem o recebe, não a quem o dá. “Ouro de artista é amar bastante” reveste-se de novo sentido: “amor de artista é doação”. E, nesse ponto, também o ouro adquire novo sentido: amor de doação é ouro. Ouro é amor de dádiva."

Trecho do artigo publicado na revista Porto Arte a respeito de duas obras de Leonilson (na imagem acima, Voilá mon coeur de Leonilson).
Para ler na íntegra, acesse minha página no ISSUE:
http://issuu.com/palavraimagem/docs/analuciabeck_leonilson_desdobramentos__portoarte

Ou acesse a versão digitalizada da revista:
http://seer.ufrgs.br/PortoArte/article/viewFile/27926/16535

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Desenhos


O desenho não é, apenas, 
uma marca sobre uma superfície bidimensional. 
Desenho é movimento. 
Um desenho em filme. 

Agradeço ao Cristiano e ao Eduardo por torná-lo possível!
Desenho realizado em 26 de agosto de 2010 
na disciplina de Desenho da Figura Humana.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Palavras Fora de Lugar: Leonilson e a inserção de Palavras nas Artes Visuais

Em minha dissertação de mestrado, estudei o estatuto da palavra no poesia. Este estudo fundamentou uma reflexão a respeito da relação entre imagens e palavras em obras poéticas. Afinal, há uma importante parcela de imagem na linguagem verbal. Esta reflexão, inédita naquela época na crítica das artes visuais no País, permitiu-me uma leitura particular de um recorte da obra do artista plástico brasileiro José Leonilson Bezerra Dias (1957-1983). A imagem acima mostra uma das obras analisadas, O zig-zag (1991, Pérolas e renda sobre tecido, 32,0 x 22,0 cm). Para saber mais, acesse a dissertação:

http://issuu.com/palavraimagem/docs/palavras_fora_de_lugar


Para conhecer mais sobre a obra de Leonilson, acesse:

http://www.projetoleonilson.com.br/site.php

















O pensamento lhe ocorreu suavemente
trazido pela espuma de sabão

e se fossem também as primeiras lágrimas
que rolara por cada um que amara
parte de um rito?

parte de um exercício de pureza
de um limpar-se e entregar-se
um desprendimento de todo o passado
de toda vivência
experiência
de todas as marcas e feridas

imacular-se
lavar-se e enxaguar-se com água salmora
pendurar o coração para secar ao sol
pendurar-se ao vento
e dobrar-se com cuidado

depositar-se na prateleira de madeira
à espera
do momento.

sábado, 21 de agosto de 2010























O cansaço lhe tirava a fome
lhe roubava o desejo de alento

decidiu ater-se aos fatos,
cansada que estava de adjetivar a vida

havia dias em que lhe roubavam
a melodia dos pensamentos
de si escutava apenas o vazio
que reverberava no sofrimento alheio

o cansaço lhe impedia
de chorar
de sorrir
de sonhar
de dormir

este cansaço era apenas
vácuo da existência

quando cansava da vida
sentia-se confortável muito longe de casa

o cansaço lhe retirava
o sentido do meu, seu, teu
era tudo e todos ao mesmo tempo

percebia o cansaço
nos sorrisos alheios

naqueles dias
poucos “bom dia”
mudavam seu dia

respondia sorrindo
mas no fundo
emudecia
e tirava rugas do tecido da vida
com vapor quente

domingo, 15 de agosto de 2010

Tua linha meu horizonte
Composição fotográfica, 2009/10.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Mais Picasso

Num post anterior, falei da minha decepção com o Museu Picasso de Barcelona. Para equilibrar, vou mencionar o grande prazer que foi ver Guernica no Museu Reina Sofia de Madri.

http://www.museoreinasofia.es

Além da obra em si, e desconfio que em matéria de Picasso gosto mesmo de suas obras em preto e branco, que pode ser fotografada à vontade (sem flash, é claro), há no museu uma infinidade de desenhos e estudos feitos pelo Picasso antes de elaborar o resultado final. Confiram alguns detalhes de Guernica, abaixo:









segunda-feira, 28 de junho de 2010


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Às vezes, 
amar é calar. 
Outras vezes,
o silêncio fala 
da covardia do desamor.

sexta-feira, 25 de junho de 2010






















a pele
não esquece
a pele respira
a mão toca o pulmão
a pele é apenas
o que não existe entre os corpos

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Aula de natação, lição 3425: quando mentimos para nós mesmos, a tendência é produzirmos ao nosso redor uma realidade que caiba na mentira.  É preciso enxergar as próprias mentiras para observar as coisas como realmente são.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

da coleção de palavras guardadas na arca:
incertitumbres...

domingo, 20 de junho de 2010



toda obra é metáfora
toda poesia é verdade
toda verdade
é ficção

quinta-feira, 17 de junho de 2010



Dias de chuva
dias em que adias tudo...
febre criativa,
meu relógio pediu demissão

sábado, 12 de junho de 2010



Ficam certos cheiros nas mãos
Certas dúvidas no coração
Certas marcas no colchão
Certos caracóis nas idéias...

Fica um gosto de vida no ar
E um resto de sono
Que nunca dorme...
Um resto de sonho
Do qual não se lembra ao certo

Uma certa insenzatez...
E resquícios de timidez
– não te entregues ainda. Disse-me ele,
estamos esperando a hora de quê?

Madrugada não tem hora
Entrega não espera final de semana
Amor não conhece idade
Nem experiência de vida...

Sigo nadando na correnteza!

sexta-feira, 4 de junho de 2010















profundamente absorta
imersa em si mesma
contemplava o mundo ao redor

intuia
realidades paralelas
que não lhe pertenciam...

ou pertenciam?
pois que as vezes vivemos
nas margens do próprio desejo...

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Recortes da Moleskine I


As vezes, visitar um museu é uma experiência que se confronta com nossa aprendizagem de anos sobre a arte ou sobre um artista. O resultado, neste caso, nem sempre é o que esperamos.

O Museu de Picasso foi um tanto quanto decepcionante. Eu esperava por algo à altura do nome. Mas desconfio que existem milhares de “Museus Picasso” por aí... Desse jeito, obviamente, fica difícil ter um acervo que dê conta de mostrar de maneira mais apurada o que foi o conjunto de sua obra.
Há lacunas absurdas, como, por exemplo, nenhuma obra significativa do Cubismo, tanto sintético quanto analítico. Ainda assim, gostei muito de ver algumas coisas. A pintura que ele fez aos quinze anos e que lhe deu sua primeira premiação, creio que se chama “Primeira Comunhão”; certinha academicamente, e só.
A pintura que lhe deu um segundo prêmio, se não me falha a memória chamada "Ciência e Caridade" – de grandes dimensões – realismo social segundo o curador, é péssima. É terrível! Totalmente apelativa, correta academicamente, porém sem qualquer apuro técnico. Picasso pinta como alguém que não entende a “técnica”, usa cores sujas, feias mesmo. Aliás, realmente, em termos de uso da cor, Picasso aprendeu muito pouco nesta vida.
Mas gostei muito de ver as pinturas que fez de estudos para a realização das Meninas (relendo Velazquez). Uma quantidade enorme de pinturas que estudam a analisam mais de uma vez cada um dos “quadrantes” da pintura original. E, para cada estudo, elabora uma solução diferente. Às vezes me pergunto o que exatamente Picasso estava vendo na pintura original. Pois parece ver muito mais do que parece haver para ver. Ao final, dos vários estudos feitos em cor, ele compõe uma grande pintura em preto e branco que parece ser uma montagem, uma composição das várias possibilidades antes pesquisadas e elaboradas.
Também gostei muito de ver umas pinturas feitas na década de 50, do terraço e das pombas que ali criava na casa em que morava. Tanto pelas variações na composição como pelo uso das cores que aqui me agradaram.
Nestas últimas pinturas, curiosamente, Picasso parece render-se a Matisse...

domingo, 2 de maio de 2010


Não precisa amor 
para sexo
Não precisa para sempre 
pra ter filho
Mas um pouco de poesia 
sempre cabe no dia a dia

quinta-feira, 22 de abril de 2010


Dia desses me deparei com o trabalho da Kumi Yamashita, através de uma dica do meu irmão (confira no endereço ao final desta). Da página OBVIOUS retirei a imagem acima, a que me chamou mais a atenção dentre várias do trabalho da Kumi.
Lembrei-me imediatamente do trabalho do Anish Kapoor. Guardadas as devidas diferenças entre ambos, algo em ambos é evidente: trata-se de trabalhos que mobilizam - ou melhor - desestabilizam nossas "certezas".
Sempre acreditei que um bom trabalho de arte faz isto - mesmo quando o faz de maneira absolutamente singela como Kumi faz aqui. Um bom trabalho de arte nos faz repensar o que julgamos que sabemos. Ou, pelo menos, nos lembra do quanto podemos ser enganados quando emitimos julgamentos baseados naquilo que julgamos já conhecer.
No trabalho tão singelo - singeleza da simplicidade da forma - me lembrei, mais uma vez que tudo, absolutamente tudo que julgamos saber, que pensamos ou que vemos, pode ser outra coisa. Cada discurso - e formas também são discursos - contém um "avesso". Mesmo quando o avesso é negado, basta jogar um pouco de luz sobre a questão, e os insuspeitos, as vezes até mesmo as oposições, aparecem. Saber o que se diz, saber o que se ouve, saber o que se lê deveria ser, sempre, um saudável exercício de desconfiança de nós mesmos!

terça-feira, 13 de abril de 2010



Um dia,
Subindo a Santo Antônio,
me dei conta
de que há uma relação direta
entre desistir e morrer.
Como se o corpo acumulasse, ao longo do tempo
as muitas experiências de desistência
– desistência porque não aceitação –
de uma vida.
E um dia,
o corpo cansado de tanta desistência, 
desiste!

sábado, 13 de março de 2010

Carroças, janelas e outros recortes da memória



Eu devia ter uns 13 anos mais ou menos. Lembro que foi na época em que a minha melhor amiga se chamava Roberta e eu estudava em uma escola municipal. Da escola até a minha casa eram uns dois quilômetros, caminhados diariamente para ir e para voltar. Da época em que, obviamente, havia uma menina mais popular, fina bonita na escola, chama-se Juliana, para testar meu amor próprio. Acho que não passei no teste.
Deve ter sido num sábado à tarde, como hoje. Mas isso afinal não faz muita diferença. Há dias, seja em que dia da semana sejam, que são sábados à tarde. Têm o universo de possibilidades e promessas dos sábados, são levemente melancólicos, embora não tão depressivos quanto os domingos à tarde...
Naquela época, também a casa dos meus pais era incompleta e a porta dos fundos estava exposta à todas as interpéries. 
Naquela tarde minha amiga Roberta apareceu, de carona em uma carroça. Não me lembro se cheguei a ver a carroça de dentro de casa. Se o fiz, devo tê-lo feito enquanto lavava a louça do almoço. Afinal, a janela da cozinha ficava em frente à pia. Da pia da cozinha da casa de meus pais via a paisagem. A pia da cozinha tinha a melhor vista da casa. A mais ampla, a que descortinava a rua e o morro em frente. Tão diferente da casa com a qual havia sonhado. A casa projetada e que nunca foi construída que era toda voltada para os fundos. Na casa real, na casa possível, na casa construída, a janela para a frente era a janela da cozinha. Talvez aquela janela tenha feito de mim a pessoa divagante e observadora que sou. Afinal, eu era a encarregada de lavar a louça mais trabalhosa e em maior quantidade – pelo menos foi isso que sempre pensei – a louça do almoço. Da janela da cozinha, lavando todos os dias a louça do almoço, via a rua, via o morro. Via as janelas minúsculas da casa do colega mais inteligente da turma. Por ele eu estava interessada? Não sei. Talvez sim, de alguma forma. Ficava divagando que ele, moço de nome composto feito mocinho de novela mexicana, também podia enxergar minha janela. A minha janela vista da janela dele...
Pois naquela tarde, mais ou menos assim ou não, pois não lembro ao certo como foi, mas tenho certeza de como poderia ter sido, chegou Roberta de carona na carroça.
Na carroça de um outro colega, cujo nome durante anos não consigo relembrar, que, naquela tarde soube, estava “afim” de mim. Engraçado dizer que ele estava a fim, ou seria afim, de mim considerando que esta não era a expressão usada na época. Mas, escondida da vista da frente da casa, na porta exposta dos fundos, conversei com Roberta. E Roberta me disse que ele, o colega, havia passado em sua casa, e havia pedido a ela, que viesse até minha casa, para que eu soubesse, que ele estava afim de mim. Congelei na porta. E, lembro vagamente, disse a ela qualquer coisa que incluía uma negativa, um não.
Pela janela, creio, espiei enquanto a carroça se afastava com ele e com Roberta. Enquanto a carroça diminuía e minha culpa aumentava...
A culpa de dizer não. Não à carroça, não ao menino humilde, não a alguém que havia demonstrado interesse por mim? Não sei. Somente sei que foi um não. Um não cheio de culpa, um não envergonhado. Um não sem noção.
Quase trinta anos se passaram. E hoje é sábado. E foi numa conversa de sábado à tarde que percebi. Percebi ao voltar para casa. Minha casa cuja janela da cozinha avista a sala de jantar e a sala de estar. Minha casa estranhamente ambígua. Minha casa voltada para ela mesma e ainda assim para fora. Depois de sair pelo bairro e andar a esmo com uma amiga e conversar com ela sobre a casa onde me sinto em casa. Que é outra casa cujas janelas divisam o ponto de fuga de uma longa rua que acaba em praça, mas isso, quando olhamos de lado, de frente, pelo menos da cama em cujos braços me sinto em casa no universo, diviso a torre de uma Igreja. Igreja anexa a uma escola e a um abrigo de loucos... mas isso é outra história.
Em todo caso, depois da conversa com ela. E depois de ter percebido que preciso dizer um outro não. Um outro não para outra pessoa que tantos anos depois me provocou o mesmo sentimento de constrangimento. E depois de perceber que meu constrangimento era apenas a vergonha pela minha própria vergonha, percebi:
Ser feliz é não ter vergonha de sua própria vergonha!
Tenho direito ao não. Se o não foi correto, ou errado, cheio de medo ou legitimamente intuitivo de um outro futuro que quero para mim, tenho direito ao não. E tenho direito à vergonha. Tenho direito aos meus medos, tanto quanto aos meus desejos. Tenho direito à minha sabedoria, tanto quanto à minha ignorância. Tenho direito à vergonha, tanto quanto ao amor. Amanhã, ou depois, preciso dizer a outra pessoa – não. Mas, curiosamente, poder dizer este não me libertou da culpa de um não que carrego ha tantos anos.
Talvez, finalmente, possa deixar a Roberta ir embora de carona na carroça!

She had delicate thoughts everyday...



Observação...
Procurando o sentido da palavra nos dicionários, nas traduções, percebi uma singular característica do termo no alemão. Beobachtung me chamou a atenção por conter dentro de si, no sentido da palavra, o termo Achtung que em bom português significa atenção! Isto poucos momentos depois de haver pensando que o desenho de observação, considerando que podemos observar qualquer coisa e, nesse sentido, o que o desenho mostra é sempre quem desenha, o desenho olha para dentro. Se o desenho mostra sempre quem desenha e nisso mostra sempre aquilo que quem desenha vê daquilo que se propõe a desenhar, o desenho desenha sempre o desenhista. Enquanto o desenhista desenha, observa seu ato de desenhar, o desenho também desenha o acontecer do próprio desenho. O desenho torna-se desenho de si próprio! Do ato do desenho, do ato de ser do desenhista. O ato de escolhas, diria Valéry falando de Edgard Degas, imprescindível para estar no mundo. O ato de escolhas implícito no ato de olhar e dentro deste, o ato de eleger!
Fique atento! Ver um desenho é ver um estar no mundo. Desenhar é produzir a partir do seu estar no mundo, do seu observar, escolher, eleger para estar no mundo. Cada observação, e cada desenho que uma observação pode produzir é, em alguma medida, uma verdade. Uma possibilidade de verdade.
E haverá um desenho de observação melhor ou pior do que outro? Haverá uma verdade melhor? Fico com Gómez Molina (Estrategias del dibujo em el arte contemporâneo, pg 19): “Cuál de estas versiones es la verdad, no es um hecho tan importante como el de averiguar cuál de estas versiones es capaz de construir nuestra realidad futura.”
Voltei de viagem mais uma vez... fui para sala de aula sem saber de antemão que iria trabalhar novamente com Desenho de Observação – faz algum tempo que não trabalho esta disciplina – e na primeira aula, não me senti “eu”. Pode ter sido o tempo, pode ter sido a viagem, mas disse aos alunos: “Não sei o que vou fazer. Sei que não quero fazer o que já fiz!” Escolho uma nova realidade futura. Me pus, portanto, a meditar sobre o sentido do observar. Que ele me mostre o que um desenho de observação pode ser. No momento só penso em lhes dizer: atenção.
Atenção para você mesmo. Que o desenho possa ser observar-se atentamente. Desenho meditação. Desenho de imaginação? Desenhar também é observar nossas imagens secretas. Ilustração da semana, acima, Alfred Kubin, Auto-observação, 1901. Para mais informações sobre este artista, acesse: