quinta-feira, 14 de maio de 2015

e também poderia ter sido no dia em que Léo casou...

Aquilo tudo parecia muito inusitado e pretensioso. Cheirava a comida requentada. Sua cabeça, sua cabeça doía muito. As pílulas... será que as pílulas fariam efeito? Olhou-se no espelho, seu rosto nunca fora tão belo. Parecia que estava de porre ha três dias. Os cabelos caiam pesados em frente a seus olhos. Deixou-se cair, os olhos doíam. Dormiu sobre as folhas do manuscrito. Esse, onde estas linhas estão escritas.

O adeus nunca fora autêntico, era faz de conta, como a brincadeira de contar histórias para seu amado adormecido. Era como a melancolia do desejo e das lágrimas desmaterializadas. Um grande jogo esperando pela próxima jogada. Apenas em seus pensamentos ela era ensaiada. O medo do sofrimento, do sangue e da imaginação; seu amigo e o amante em tesão, desmaterializava-se pouco a pouco. Pouco a pouco seu corpo apodrecia, o útero escorria, e os peitos murchavam. Naquela idade já estava cega e lia as palavras. Uma jovem lhe contara sua história de outra encarnação. A sina de poder apenas escrever sua própria história era o preço do manuscrito. O desespero que fazia a mão deslizar pelo papel, o preço da capa de couro com letras douradas. O sono de menino velado pela mãe sempre estivera distante. Nos seus braços era apenas tremor, terror, pesadelos e decepção. Era o umbigo de laranja estéril. Nas folhas que não pertenciam ao manuscrito escreveu – recopiou. Pois todas as outras palavras jaziam perdidas. As palavras, as palavras que nunca são ditas, mas que são a única verdade plausível dão medo, amedrontam e são serenas. Já podia deixa-las flutuar sem sentir dor. O verbo, afinal não existia, tampouco sonhos. Apenas a fria, por vezes requentada realidade do dia a dia. A falta de espaço, espaço infinito dentro de nós. Palavras que não se sustentavam sozinhas, que pediam a confirmação do olhar, do corpo e do resto de lembranças e desejo adormecido. A sopa esfria na mesa de jantar. Só são corajosas porque não pedem nem dão explicação. Única coisa viva além da soleira da porta. A porta era uma brincadeira de criança. Era o medo do portão. Do lado de fora. Era apenas desconcertante ilusão. Por baixo dela chegavam palavras, chegavam sussurros, mas não se encontravam os corpos. No final de todas as linhas a palavra era – adeus. 

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