(...) EM BUSCA DO ARQUIVO PERDIDO
– Você já costurou alguém?
– Como seriam as linhas necessárias para costurar alguém, a sua alma?
– Seriam invisíveis.
O que não é concreto é AFETO – linha que liga um coração a outro.
(...) Afeto é uma das marcas dos gestos que bordam tecidos impregnados de memórias re-significadas através do fazer em arte. Também é o afeto, enquanto fundamento da própria docência, que está presente no fazer vinculado ao ensinar. Assim como estas duas dimensões da pesquisa estão presentes, não existindo uma distância entre o olhar do artista e do professor, também existe uma variedade de meios e materiais emaranhados em nós – lenços bordados, camisas esquecidas, linhas escritas, desenhos, fotos antigas, fotos dos bordados, linhas, agulhas, grafite, caneta – numa tentativa de criar uma rede de apreensão de sentidos ou “roupas para a alma”. Os trabalhos parecem não ter um fim em si, como algo acabado, e por isso são sempre reprocessados, repensados. Talvez para mostrar que o conhecimento é móvel, que entender algo é sempre parcial, só uma parte de um infinito. Novas disposições levam a perceber de outra forma o que está sendo buscado. Não é possível encerrar a busca. O conhecimento pode ser apreendido, mas não aprisionado. Penélope adiando...
(...) “conhecer o mundo, ver, além do ver, perceber, saber o que e porque foi visto e como foi visto, o visto, o não visto, o que poderia ter sido visto. Na tentativa de conhecer o mundo a partir do olhar, quando de alguma maneira se fixa esse olhar, também se fixa o que foi conhecido e na maneira como isto é feito, imprime-se sentido. Quando não olho, não conheço o mundo e não me reconheço enquanto sujeito. Sujeito capaz de inventar um mundo.”
Esse trecho extraído, com algumas supressões, de uma reflexão sobre desenho, escrita pela professora-artista, pode nos indicar a importância de um pensamento que propõe o que exercita. Um olhar reflexivo porque é praticado. Um olhar que desloca-se de aprendiz para professor, ao compartilhar esta busca. A docência em desenho parece ter servido de estímulo para a retomada de exercícios sobre o fazer desenho de uma forma ampla e, inevitavelmente, a questões que estiveram em suspensão, mas não totalmente distantes do desenho/ desígnio/ desejo entendidos como um território amplo com infinitos trajetos.
As anotações, na forma de diário, também sempre estiveram presentes, intensificadas talvez a partir dos estudos sobre a obra de Leonilson. O lirismo presente em alguns escritos, quase confissões, transforma-se em pontos e traços delicadamente repetidos num grafismo construído pela mão que no manuseio de linhas e agulhas, permite exercitar um olhar em retorno sobre si mesma. Isto suspende o tempo cronológico, conduzindo ao Silêncio e à Meditação.
O vazio ao redor do fio não existe. Para quem faz, o fio é envolvido por uma densidade quase visível, resultante da busca. Independente do meio que se utilize, quando se apreende o que se deseja conhecer, ele já é outro. O fazer se presta a uma reflexão prática permanente, mais espiritual do que mental sobre o espaço que o sensível ocupa, em nós, nas nossas relações, ao nosso redor. Busca-se um espaço com regras suspensas, cuja combinação e sentido também são mutáveis, e existe uma imposição incontrolável de continuar seguindo o(s) fio(s), no labirinto. Desespera-se quando o fio (ou quem o faz) se perde. Ao reencontrá-lo, tanto o fio quanto quem o busca já não são os mesmos. Labirinto, fio, monstro e presa são um só. Estes trabalhos convidam cada um a fazer o seu trajeto, sem volta...
Renato Garcia
Artista Plástico e professor da ULBRA
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